Brasileiros criam método para diagnosticar
esquizofrenia na primeira consulta
Cientistas do Instituto do Cérebro, em Natal, usam
algoritmo para analisar fala de jovens pacientes
Fábio
de Castro, O Estado de S.Paulo
05
Junho 2017 | 03h00
Um novo método
para o diagnóstico de esquizofrenia, desenvolvido por cientistas brasileiros,
poderá ser utilizado como exame complementar, permitindo que os médicos
identifiquem a doença já na primeira consulta com 80% de precisão.
Empregando
algoritmos para analisar a estrutura da fala dos jovens que apresentam sintomas
iniciais de esquizofrenia, a técnica poderá antecipar o diagnóstico em pelo
menos 6 meses, evitando o risco - em geral bastante comum - de submeter o
paciente à medicação errada, segundo os pesquisadores.
O estudo que descreve o novo método foi publicado na revista científica Schizophrenia,
do grupo Nature, por uma equipe liderada pelo neurocientista
Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro, ligado à Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN).
De acordo com
Ribeiro, um dos maiores problemas atuais da indústria farmacêutica em
psiquiatria é evitar tratar o paciente para a doença errada. "Essas
doenças não têm base biológica clara e, portanto, não há exames inequívocos
para o diagnóstico", disse o cientista ao Estado.Em pesquisas
anteriores, utilizando modelos matemáticos para analisar a estrutura do
discurso dos esquizofrênicos, os cientistas perceberam eles têm uma fala
notavelmente empobrecida, quase aleatória. Os pacientes estudados, porém, já
haviam sido diagnosticados e sofriam da doença há muito tempo, apresentando uma
deterioração cognitiva bastante avançada e difícil de reverter.
No novo
artigo, os cientistas, com uma análise muito mais sofisticada da fala dos
pacientes, os cientistas conseguiram fazer medidas precisas do grau de
aletoriedade da estrutura verbal.
"O
objetivo era resolver um problema clínico: fazer o diagnóstico da esquizofrenia
em adolescentes psicóticos ainda em seu primeiro contato clínico, quando o
diagnóstico entre esquizofrenia, bipolaridade e outras doenças é muito mais
difícil, justamente porque eles ainda não tiveram a deterioração cognitiva
decorrente de uma longa história de crises psicóticas", disse.
Ribeiro
explicou que atualmente, por conta da dificuldade do diagnóstico, é preciso
acompanhar o paciente por 6 meses para definir o diagnóstico, para evitar uma
medicação equivocada, que poderia ser desastrosa. Mas, nesse período, a
degradação cognitiva pode se agravar.
"Mostramos
que é possível calcular um número único - que chamamos de índice de
fragmentação - capaz de prever com grande acurácia o diagnóstico da
esquizofrenia 6 meses antes, na primeira entrevista psiquiátrica do paciente.
Isso significa que o psiquiatra pode usar esse índice para dar um diagnóstico
inicial mais certeiro já no primeiro encontro com o paciente", afirmou.
Aplicação
clínica
De acordo com
a médica psiquiatra Natália Mota, primeira autora do artigo da Schizophreny, a ideia inicial do estudo com foco na
fala do esquizofrênico partiu de conceitos da psicopatologia clássica. Mesmo
que uma pessoa tenha alucinações e delírios, é preciso ter algum critério para
distinguir a esquizofrenia, que leva ao longo dos anos a uma deficiência
cognitiva, de outras doenças como o transtorno bipolar. E a maneira de se
expressar tem sido um critério para isso desde o século 19.
"Há muito
tempo os sintomas da desordem do pensamento expressa na fala foram descritos
como típicos da esquizofrenia. Não apenas o conteúdo do que a pessoa fala, mas
a forma. O psiquiatra observa esses sintomas a partir do que chama de
'descarrilamento do pensamento e frouxidão das ideias'", disse Natália ao Estado.
Na primeira
fase do estudo, os cientistas gravaram relatos simples feitos por pacientes
crônicos de esquizofrenia - em surto psicótico e medicados - e por pessoas
saudáveis. Os relatos foram então analisados com o uso da teoria dos grafos, um
ramo da matemática que estuda as relações entre os elementos - neste caso, as
palavras - de um determinado conjunto.
"Mostramos
ali que o nosso método era capaz de medir as características da conectividade
das ideias na fala dos pacientes, diferenciando com bastante precisão os
sintomas negativos dos esquizofrênicos. Assim, imaginamos que essa poderia ser
uma ferramenta importante para uma primeira avaliação clínica", explicou.
Segundo ela,
no caso dos pacientes crônicos, o psiquiatra consegue perceber os sintomas com
relativa facilidade, a partir do histórico das crises e das ideias que já
apresentam clara falta de conectividade. Por outro lado, em crianças e
adolescentes que começam a ter sintomas de isolamento e a escutar vozes de
comando, por exemplo, o clínico tem mais dificuldade para diferenciar o
problema de bipolaridade ou transtornos de comportamento.
"Percebemos
que seria importante aplicar esse método de análise da fala logo início, a fim
de poder rastreair quais pacientes poderiam desenvolver no futuro os sintomas
negativos mais difíceis de tratar, como a degradação cognitiva."
Como foi o
teste da técnica
A pesquiadora,
que está concluindo o doutorado em neurociências no Instituto do Cérebro,
passou então a acompanhar as crianças que chegavam para a primeira consulta em
um Centro de Atenção Psicossocial Infantil em Natal.
Primeiro, as
crianças eram convidadas a contar um sonho da noite anterior e a cientista
gravava apenas 30 segundos do relato, a fim de obter um número restrito de
palavras. Depois, elas também observavam imagens de conteúdo positivo,
negativo, ou neutro e em seguida eram estimuladas a contar o que haviam visto,
somando mais 30 segundos de gravação.
Depois da
transcrição da gravação, os cientistas carregavam o arquivo de texto em um
programa desenvolvido por eles nos estudos anteriores (e que é de uso aberto
para os médicos que quiserem utilizar), cujo algoritmo quantifica as
características da conectividade das palavras.
Seis meses
depois do experimento, já com o diagnóstico das crianças definido, foi possível
observar diferenças claras no discurso daquelas que apresentavam esquizofrenia
- e testar se o método funcionava. As gravações também foram feitas com
crianças sem sintomas, como controle.
"O que
observamos - especialmente no relato do sonho - é que, já na primeira
entrevista, as crianças que seis meses depois foram diagnosticadas com esquizofrenia
contavam a história de uma forma bem menos conectada e menos complexa",
disse Natália.
Salada de
palavras
O
algoritmo também mostrou que, em relação à conexão das ideias, quando os
cientistas embaralhavam todas as palavras, fazendo a estrutura do discurso
desaparecer, o resultado totalmente aleatório que se formava tinha pouca
diferença em relação à fala da criança esquizofrênica.
"Dos
pacientes que receberam diagnóstico de esquizofrenia depois de seis meses, 64%
tinham um discurso com conectividade indistinguível do aleatório. Entre os que
receberam diagnóstico de transtorno bipolar, 30% tinham esse tipo de
discurso", disse Natália. Entre as crianças que não tinham sintomas,
apenas 5% apresentavam fala aleatória.
Depois, os
pesquisadores combinaram os três diferentes componentes matemáticos utilizados
para obter as medidas de aleatoriedade da fala, criando um número único - o
índice de fragmentação da fala. O resultado foi ainda mais consistente.
"Ao
combinar todos os atributos, descobrimos que o método conseguia prever o
diagnóstico de esquizofrenia com mais de 80% de precisão", afirmou
Natália.
A vantagem do
método é que, além de ser preciso, barato e não-invasivo, é também muito
rápido. Na primeira consulta, o clínico só precisa recolher dois relatos de 30
segundos e transcrever os discursos.
"Daí em
diante, tudo é automatizado e o médico chega ao índice de framentação em
questão de segundos. Quanto maior o índice, maior a chance do paciente ter
sintomas mais graves de esquizofrenia", explicou a pesquisadora.
Fonte: http://ciencia.estadão.com.br
O estudo que descreve o novo método foi publicado na revista científica Schizophrenia,
do grupo Nature, por uma equipe liderada pelo neurocientista
Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro, ligado à Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN).
De acordo com
Ribeiro, um dos maiores problemas atuais da indústria farmacêutica em
psiquiatria é evitar tratar o paciente para a doença errada. "Essas
doenças não têm base biológica clara e, portanto, não há exames inequívocos
para o diagnóstico", disse o cientista ao Estado.Em pesquisas
anteriores, utilizando modelos matemáticos para analisar a estrutura do
discurso dos esquizofrênicos, os cientistas perceberam eles têm uma fala
notavelmente empobrecida, quase aleatória. Os pacientes estudados, porém, já
haviam sido diagnosticados e sofriam da doença há muito tempo, apresentando uma
deterioração cognitiva bastante avançada e difícil de reverter.
No novo
artigo, os cientistas, com uma análise muito mais sofisticada da fala dos
pacientes, os cientistas conseguiram fazer medidas precisas do grau de
aletoriedade da estrutura verbal.
"O
objetivo era resolver um problema clínico: fazer o diagnóstico da esquizofrenia
em adolescentes psicóticos ainda em seu primeiro contato clínico, quando o
diagnóstico entre esquizofrenia, bipolaridade e outras doenças é muito mais
difícil, justamente porque eles ainda não tiveram a deterioração cognitiva
decorrente de uma longa história de crises psicóticas", disse.
Ribeiro
explicou que atualmente, por conta da dificuldade do diagnóstico, é preciso
acompanhar o paciente por 6 meses para definir o diagnóstico, para evitar uma
medicação equivocada, que poderia ser desastrosa. Mas, nesse período, a
degradação cognitiva pode se agravar.
"Mostramos
que é possível calcular um número único - que chamamos de índice de
fragmentação - capaz de prever com grande acurácia o diagnóstico da
esquizofrenia 6 meses antes, na primeira entrevista psiquiátrica do paciente.
Isso significa que o psiquiatra pode usar esse índice para dar um diagnóstico
inicial mais certeiro já no primeiro encontro com o paciente", afirmou.
De acordo com
a médica psiquiatra Natália Mota, primeira autora do artigo da Schizophreny, a ideia inicial do estudo com foco na
fala do esquizofrênico partiu de conceitos da psicopatologia clássica. Mesmo
que uma pessoa tenha alucinações e delírios, é preciso ter algum critério para
distinguir a esquizofrenia, que leva ao longo dos anos a uma deficiência
cognitiva, de outras doenças como o transtorno bipolar. E a maneira de se
expressar tem sido um critério para isso desde o século 19.
"Há muito
tempo os sintomas da desordem do pensamento expressa na fala foram descritos
como típicos da esquizofrenia. Não apenas o conteúdo do que a pessoa fala, mas
a forma. O psiquiatra observa esses sintomas a partir do que chama de
'descarrilamento do pensamento e frouxidão das ideias'", disse Natália ao Estado.
Na primeira
fase do estudo, os cientistas gravaram relatos simples feitos por pacientes
crônicos de esquizofrenia - em surto psicótico e medicados - e por pessoas
saudáveis. Os relatos foram então analisados com o uso da teoria dos grafos, um
ramo da matemática que estuda as relações entre os elementos - neste caso, as
palavras - de um determinado conjunto.
"Mostramos
ali que o nosso método era capaz de medir as características da conectividade
das ideias na fala dos pacientes, diferenciando com bastante precisão os
sintomas negativos dos esquizofrênicos. Assim, imaginamos que essa poderia ser
uma ferramenta importante para uma primeira avaliação clínica", explicou.
Segundo ela,
no caso dos pacientes crônicos, o psiquiatra consegue perceber os sintomas com
relativa facilidade, a partir do histórico das crises e das ideias que já
apresentam clara falta de conectividade. Por outro lado, em crianças e
adolescentes que começam a ter sintomas de isolamento e a escutar vozes de
comando, por exemplo, o clínico tem mais dificuldade para diferenciar o
problema de bipolaridade ou transtornos de comportamento.
"Percebemos
que seria importante aplicar esse método de análise da fala logo início, a fim
de poder rastreair quais pacientes poderiam desenvolver no futuro os sintomas
negativos mais difíceis de tratar, como a degradação cognitiva."
A pesquiadora,
que está concluindo o doutorado em neurociências no Instituto do Cérebro,
passou então a acompanhar as crianças que chegavam para a primeira consulta em
um Centro de Atenção Psicossocial Infantil em Natal.
Primeiro, as
crianças eram convidadas a contar um sonho da noite anterior e a cientista
gravava apenas 30 segundos do relato, a fim de obter um número restrito de
palavras. Depois, elas também observavam imagens de conteúdo positivo,
negativo, ou neutro e em seguida eram estimuladas a contar o que haviam visto,
somando mais 30 segundos de gravação.
Depois da
transcrição da gravação, os cientistas carregavam o arquivo de texto em um
programa desenvolvido por eles nos estudos anteriores (e que é de uso aberto
para os médicos que quiserem utilizar), cujo algoritmo quantifica as
características da conectividade das palavras.
Seis meses
depois do experimento, já com o diagnóstico das crianças definido, foi possível
observar diferenças claras no discurso daquelas que apresentavam esquizofrenia
- e testar se o método funcionava. As gravações também foram feitas com
crianças sem sintomas, como controle.
"O que
observamos - especialmente no relato do sonho - é que, já na primeira
entrevista, as crianças que seis meses depois foram diagnosticadas com esquizofrenia
contavam a história de uma forma bem menos conectada e menos complexa",
disse Natália.
O
algoritmo também mostrou que, em relação à conexão das ideias, quando os
cientistas embaralhavam todas as palavras, fazendo a estrutura do discurso
desaparecer, o resultado totalmente aleatório que se formava tinha pouca
diferença em relação à fala da criança esquizofrênica.
"Dos
pacientes que receberam diagnóstico de esquizofrenia depois de seis meses, 64%
tinham um discurso com conectividade indistinguível do aleatório. Entre os que
receberam diagnóstico de transtorno bipolar, 30% tinham esse tipo de
discurso", disse Natália. Entre as crianças que não tinham sintomas,
apenas 5% apresentavam fala aleatória.
Depois, os
pesquisadores combinaram os três diferentes componentes matemáticos utilizados
para obter as medidas de aleatoriedade da fala, criando um número único - o
índice de fragmentação da fala. O resultado foi ainda mais consistente.
"Ao
combinar todos os atributos, descobrimos que o método conseguia prever o
diagnóstico de esquizofrenia com mais de 80% de precisão", afirmou
Natália.
A vantagem do
método é que, além de ser preciso, barato e não-invasivo, é também muito
rápido. Na primeira consulta, o clínico só precisa recolher dois relatos de 30
segundos e transcrever os discursos.
"Daí em
diante, tudo é automatizado e o médico chega ao índice de framentação em
questão de segundos. Quanto maior o índice, maior a chance do paciente ter
sintomas mais graves de esquizofrenia", explicou a pesquisadora.
Fonte: http://ciencia.estadão.com.br
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