domingo, 30 de janeiro de 2011

CURA PARA EPILEPSIA: ESPERANÇA PARA MUITOS

Depois de curado, Vitor e a esposa conseguiram realizar o sonho de ter um filho - Fernando Gomes

De volta à vida: Vitor se curou da epilepsia após cirurgia em Porto Alegre

Doença apareceu seis anos após um traumatismo craniano causado por um acidente


A quantidade de anos vividos por Laura de Oliveira completa apenas uma mão, mas sua existência já é carregada de simbolismos. Como uma espécie de troféu, a menina representa a extensão da vitória do pai, Vitor Luciano de Oliveira, 36 anos. Ela foi gerada sete meses depois de Vitor se curar da epilepsia, doença que acabou com a autoestima dele e minou os nervos da mulher, Milene, 34 anos.
— Sonhávamos em ter filho desde o casamento, em 1998. Com as crises epilépticas do Vitor era impossível. Ele dizia que bastaria explicar para a criança que o papai tinha um problema. Mas, como eu ia cuidar de um bebê e atender o meu marido durante os ataques? — conta Milene, que conviveu, durante cinco anos, com três surtos de Vitor por semana.
O casal de Sapucaia do Sul esbanja risadas, mas o semblante muda ao lembrar das tentativas fracassadas de uso de medicamentos e do caminho percorrido até encontrar a solução para a doença, em julho de 2004, com uma neurocirurgia para retirada do foco do problema.
A doença estava alojada no lado direito do lobo frontal e fora adquirida há 18 anos, após um acidente de moto que o deixou em coma por três dias. A lesão cerebral só foi dar sinais seis anos depois do traumatismo craniano. Primeiro foram os lapsos de memória, aos poucos o quadro se agravou. Ele rangia os dentes, se debatia em convulsões e, muitas vezes, terminava no chão, machucado.
Milene foi sua companheira constante, driblando o mal-estar que a família sentia cada vez que o marido "saia do ar" no meio de uma conversa e até mesmo ao volante.
— Não era raro vê-lo com o pé fundo no acelerador. Sabia que estava em surto. Aí, eu puxava a direção até que o carro parasse no acostamento — explica Milene.
Histórias como essa eram revelações para Vitor. Para ele a vida era entrecortada. As partes que faltavam eram preenchidas pelos relatos dos familiares.
— Era uma tortura. Elas me afastavam do trabalho e me envergonhavam diante das pessoas. Até a faculdade tive de abandonar — diz Vitor.
Cirurgia renovadora
Depois de ser avaliado por uma junta médica no Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) para detectar o foco do problema, o paciente se tornou candidato ao procedimento cirúrgico que consiste na retirada de um conjunto de células responsáveis pelos ataques epilépticos. Dentre os exames requisitados estavam a ressonância magnética funcional, capaz de assegurar que a invasão no cérebro não afetaria áreas cognitivas, de acordo com o neurocirurgião Eliseu Paglioli.
Milene lembra, emocionada, do primeiro encontro com Vitor, ainda no hospital:
— Entrei na sala com medo de que ele não me reconhecesse e de que tivesse esquecido de tudo o que havia passado até então. Aí, ele me olhou e sorriu. Acabou com todas as minhas inseguranças. Foi um milagre. Nos renovamos depois da cirurgia e decidimos ter filho.
Laura ouve os relatos sobre a vida que os pais levavam antes do nascimento dela como um conto de fadas: tortuoso e com final feliz. Um quase final: ano que vem Vitor, que havia trancado a faculdade, se forma em tecnólogo em gestão comercial. E os sonhos se multiplicam.
— Aprendemos que nada é impossível.
A maior parte dos epilépticos responde bem aos medicamentos. Cerca de 20% deles, entretanto, sofrem o drama deixado para trás pela família Oliveira. No Rio Grande do Sul, o Hospital São Lucas da PUC é referência nesse tipo de cirurgia, realizando três procedimentos por semana e recebendo pacientes de outros estados. Ao longo de 19 anos do serviço, mais de dois mil pacientes foram beneficiados.
A DOENÇA
— A epilepsia é causada, em geral, por outra doença que mexa com a eletricidade de alguma área do cérebro. Somente uma minoria tem um fator genético envolvido. Nesses casos, todo o cérebro pode ser afetado, impossibilitando a cirurgia.
— Qualquer problema na cabeça tem potencial para desencadear a epilepsia. Os casos mais comuns são má formação do cérebro, tumor cerebral, traumatismo craniano e Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Quem pode fazer?
— Dos 120 mil portadores de epilepsia no Rio Grande do Sul, 24 mil são potenciais candidatos à cirurgia.
— Somente aqueles casos em que a medicação não é capaz de controlar os ataques são candidatos ao procedimento.
— Uma investigação pré-cirurgica passa por três passos: localizar o foco exato do problema dentro do cérebro, ver se ele pode ser retirado sem risco de sequelas cognitivas, como perda da fala e motricidade, e se a retirada vai resolver o problema do paciente.
— Essa área pode ser localizada por meio do exame clínico, da ressonância magnética ou do eletroencefalograma.
A cirurgia
— Após a cirurgia, o paciente fica 12 horas na sala de recuperação e é liberado para o quarto, onde permanece por cerca de uma semana.
— Com a retirada dos pontos, recebe alta.
— A medicação deve ser mantida nos primeiros meses e é retirada gradativamente.
— Depois de dois anos sem o uso de remédios, a cura é anunciada.
— As primeiras revisões são feitas a cada três meses e vão se espaçando até que as consultas se realizem anualmente.
SAIBA MAIS
— 1,2% da população brasileira tem epilepsia.
— Em todo o Brasil são realizados cerca de 500 cirurgias por ano nos oito centros em todo o Brasil.
— Ao todo, 70% dos operados se curam, 20% apresentam redução na intensidade e frequência das crises e 10% não obtem efeito com o procedimento.
Fontes: Andre Palmini, neurologista, e Eliseu Paglioli, neurocirurgião.
Fonte: KAMILA ALMEIDA | kamila.almeida@zerohora.com.b
CADERNO VIDA - ZH

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